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Megasena da virada: como agências de pesquisa tem sido distribuído o dinheiro com a ajuda da loteria

Independente da natureza da linha de pesquisa com a qual você está envolvido, uma coisa é certa: um financiamento extra para comprar materiais de pesquisa ou para um trabalho de campo é sempre bem-vindo. Ainda mais bem-vindo é aquela renovação da bolsa de pesquisa de um pós-graduando ou pós-doutorando que precisa desesperadamente dos últimos resultados para terminar um trabalho importante.

Conseguir um financiamento de pesquisa no início da carreira pode ser a diferença entre ter uma longínqua carreira ou ter que interromper os estudos da pesquisa prematuramente. Em momentos de “vacas magras”, com orçamentos das agências de pesquisa tendo sido enxugados (como o atual cenário da pesquisa no Brasil), a competição por auxílios de pesquisa tem se tornado cada vez mais competitiva.

Muitos grupos de pesquisa com comprovada capacidade de produzir ciência na fronteira do conhecimento têm tido financiamentos de pesquisa sistematicamente rejeitados ou significantemente reduzidos. E tal fato não está necessariamente relacionado ao mérito da proposta de pesquisa: simplesmente não há dinheiro suficiente para todos. Tal realidade também vem de longa data nos Estados Unidos, aonde cerca de 10% dos estudos são financiados por dinheiro federal.

Agora pare para pensar: se pesquisas altamente competitivas têm sofrido para conseguir financiamento em um sistema que beneficia o mérito, o que você acharia de selecionar os projetos de pesquisas que irão receber um financiamento ao acaso?

Isso mesmo, não é loucura: renomadas agências de pesquisa estão agraciando grupos de pesquisa através de um sistema aleatório, algumas vezes baseado (pasmem!) na loteria! É esse o atual caso do Conselho Nacional de Pesquisas da Saúde da Nova Zelândia, da Fundação Nacional de Ciência da Suíça (SNSF) e do maior fundo privado alemão de fomento à pesquisa (Iniciativa “Experiment!” da Fundação Volkswagen). Todos estes têm histórico recente de ter alocado uma parcela de seus fundos de pesquisa de maneira aleatória, sendo que o último já se utilizou de loterias para distribuir fundos.

Os diferentes processos de alocação aleatória empregados por diferentes agências de fomento

Mesmo operando de maneira aleatória, cada uma das agências de fomento acima citadas possui suas próprias práticas de seleção.

O Conselho Nacional de Pesquisas da Saúde da Nova Zelândia não ranqueia os projetos submetidos pelo mérito. Eles julgam a viabilidade do projeto e se são inovadores o suficiente para poderem criar um impacto transformador futuro em caso de sucesso. Os projetos selecionados são então colocados em uma lista e um gerador de números aleatórios seleciona aleatoriamente projetos de acordo com um orçamento previamente estabelecido.

O diretor da Fundação Nacional de Ciência da Suíça (SNSF) Mathias Egger é adepto da implementação de decisões aleatórias como parte de aliviar os riscos de tomar decisões enviesadas (como por exemplo revisores serem influenciados pela pessoa responsável pela submissão de um pedido de pesquisa), além de reduzir custos no processo de seleção de projetos. Segundo ele, esse processo poderia ser realizado através da classificação em 3 grupos: i) projetos excelentes que claramente devem ter financiamento aprovado; ii) projetos ruins que claramente não devem ser financiados; iii) bons projetos que seriam financiados caso haja orçamento para tal. Dessa última categoria, um número de submissões poderia ser selecionado aleatoriamente.

Já a Iniciativa “Experiment!” da Fundação Volkswagen possui como filosofia a utilização de uma seleção parcialmente randomizada. Como regra, cerca de 600 submissões são triadas por especialistas, que selecionam aproximadamente 120 a 140 submissões de pedido de financiamento. Um júri externo debate sobre a qualidade científica dos projetos e identifica aqueles plausíveis de serem financiados (cerca de 80-100) e os melhores 15-20 para serem financiados. Todos esses projetos (incluindo aqueles já selecionados pelo júri) entram em um sorteio, e após a roleta rodar, os projetos sorteados ao acaso e aqueles escolhidos pelo júri são comparados. Este processo garante a comparação dos dois processos de seleção (júri versus aleatoriedade). Cerca de 30 a 40 projetos são anualmente financiados dessa maneira.

Quais as vantagens e desvantagens da utilização de processos aleatórios na escolha de projetos financiados?

Os processos de seleção acima citados claramente visam selecionar projetos que se destacam positivamente daqueles não tão fortes. Entretanto, em um sistema tradicional de ranqueamento, muitos dos destaques positivos são equivalentemente bons e, portanto, não necessariamente podem ser distinguidos por mérito.

Nesse momento, o sistema de seleção aleatório poderia reduzir os custos e esforços na seleção desses projetos, além de eliminar vieses, como: julgamentos subjetivos de projetos mais promissores; escolha baseada em produtividade passada do grupo de pesquisa; ou até mesmo manipulações no processo de seleção.

Entretanto, vale lembrar que o processo de seleção aleatório também pode tirar financiamento de projetos com maior mérito. Por exemplo, em períodos nos quais as agências de fomento possuem um menor orçamento que o esperado, certamente as submissões de pesquisas com mérito científico teriam de ser sacrificadas para beneficiar pesquisas selecionadas ao acaso. Como exemplo, já ocorreu na Nova Zelândia de ser agraciado pelo acaso um pesquisador da Universidade de Victoria (Wellington) com um financiamento para futilmente buscar novas formas de eliminar células, o que certamente retirou fundos de alguma outra linha de pesquisa com méritos.

Além disso, esse sistema pode fazer com que o número de submissões de projetos cresça exponencialmente: com o acaso agora determinando as chances de ter um projeto escolhido, quanto mais projetos submetidos maior as chances de ser selecionado, contrariando a ideia de que sorteios eliminariam parte do trabalho (os mesmos revisores de antes teriam que agora analisar uma quantidade maior de projetos submetidos).

Assim, a seleção aleatória pode ser uma alternativa para escolher projetos financiados desde que estes tenham sido criteriosamente selecionado por méritos. Caso contrário, pode ser um perigoso jogo que ameaça a qualidade das pesquisas científicas e desestimula pesquisadores a buscarem a excelência. Portanto, um meio termo entre seleção criteriosa e aleatoriedade pode ser uma boa aposta para as agências de fomento economizar recursos, mas não perder em qualidade no futuro.

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