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Diga-me quem te revisa e direi quem és: Será que pesquisadores deveriam sugerir os revisores de seus manuscritos?

A pesquisa científica é tradicionalmente pautada pelo rigor e pela objetividade que guiam a busca pela verdade. Durante o processo científico, o debate de ideias invariavelmente levanta questões controversas acerca do mesmo tema. Nesse processo construtivo, hipóteses alternativas rodeiam a pergunta central de todos os temas do conhecimento, e diferentes pesquisadores portanto utilizam diferentes abordagens para responder às suas questões.

Como produto da maior parte das pesquisas, manuscritos descrevendo o trabalho de pesquisa são submetidos a revistas cientificas que utilizam a revisão por pares para avaliar o mérito do trabalho. Neste processo de submissão de um manuscrito, grande parte das revistas científicas pedem aos autores do manuscrito para sugerir uma lista de revisores do trabalho.

Neste artigo discutimos os prós e os contras em se sugerir revisores de manuscritos pelos próprios autores.

Os autores geralmente conhecem os experts de sua área melhor que os editores das revistas

As razões para os autores sugerirem revisores de seus trabalhos é clara: com o desenvolvimento exponencial da ciência, é virtualmente impossível ser especialista em múltiplas áreas. Portanto, os autores de um manuscrito provavelmente conhecem boa parte dos especialistas de sua subárea, facilitando aos editores da revista a indicação de revisão por experts independentes. Tais experts independentes deveriam ser capazes de avaliar de uma maneira objetiva e distante os resultados descritos no manuscrito, levantando questionamentos críticos sobre a qualidade do trabalho.

Entretanto, para escolher revisores independentes de maneira assertiva, os autores devem buscar aqueles pesquisadores do seu campo de pesquisa capazes de analisar o seu manuscrito em profundidade e sem nenhum viés. Não seja tímido, faça uma lista extensa de nomes, evitando colegas de profissão ou de instituição. Também procure evitar sugerir pesquisadores simplesmente porque eles aceitariam o seu trabalho.

A escolha de revisores é realmente totalmente objetiva?

Nos últimos anos questionamentos têm sido levantados se a seleção pelos autores de experts independentes para revisão seria enviesada ou adequada. Por exemplo, dados publicados sugerem que manuscritos submetidos a revisores previamente selecionados pelos autores sejam menos rejeitados que manuscritos revisados por experts escolhidos pelo editor da revista, o que sugere que os autores de um manuscrito tendem a escolher revisores mais propensos a receber bem a mensagem do trabalho e avaliar positivamente os resultados obtidos.

Como consequência pode ocorrer o enviesamento em um campo de pesquisa: quando pesquisadores com pensamentos similares passam a popular as publicações nas suas áreas, as suas ideias se popularizam mais facilmente, e, portanto, as suas hipóteses sobre o tema de pesquisa podem ter maior influência sobre a comunidade.

Sugestão de revisores pelos autores pode levar a casos de fraude

Um segundo crescente problema têm se relacionado a autenticidade das indicações dos revisores por parte dos autores. Em 2017 foi reportado que centenas de trabalhos foram retratados entre 2012-2016 devido a revisão de pares comprometida ou até mesmo falsas revisões, sendo a maioria desses casos provenientes da China. No caso de falsificações, em muitos deles um fictício expert é criado para revisar o manuscrito, ou ainda se cria uma conta de e-mail falsa e se associa a um expert real da área (o qual obviamente não será responsável pela revisão).

Parte da explicação para as falsificações se relaciona ao fato de que muitos pesquisadores chineses não são proficientes na escrita em inglês e acabam por terceirizar a escrita, revisão e submissão de trabalhos a empresas de redação científica. A possibilidade de sugerir revisores criaria então um mecanismo para algumas empresas inescrupulosas em criar perfis ou e-mails falsos de experts, aumentando assim a suas taxas de sucesso.

Diversas editoras e agências de fomento a pesquisa não concordam com a sugestão de revisores

Duas das maiores editoras científicas, a Elsevier e a Springer Nature, ainda aceitam sugestões de revisores durante a submissão de manuscritos. A primeira, entretanto, possui uma ferramenta que denota quando os revisores sugeridos pertencem a mesma instituição que os autores ou viveram no mesmo país. A segunda, apesar de aceitar sugestões de revisores, mantém seus editores completamente livres para aceitar ou não as sugestões. Portanto, mesmo que estas editoras aceitem sugestões, elas não necessariamente precisam os utilizar para revisar os manuscritos submetidos.

Por outro lado, PLOS ONE, a maior revista científica online com acesso aberto, jamais permite que autores indiquem quais revisores utilizar para avaliar um manuscrito.

Tal qual o processo de submissão de manuscritos, os projetos de pesquisa submetidos às agências de pesquisa também precisam ter seu mérito avaliado por pares da área. Um trabalho recente, entretanto, ressalta que revisores dos projetos escolhidos pelos próprios autores são 4 vezes mais propensos a dar pareceres positivos que aqueles revisores escolhidos aleatoriamente.

Igualmente, a Fundação Nacional de Ciência da Suíça (SNSF) prontamente passou a barrar a sugestão de revisores nas submissões de projetos. Outras agências, como a Organização Holandesa para Pesquisa Científica (NWO) e o Instituto nacional da saúde dos Estados Unidos também não aceitam a sugestão de revisores para as submissões de projetos.

Desta maneira, mesmo que se percam os benefícios de se perder os melhores revisores sugeridos pelo autor para analisar um projeto, diminui-se o risco de enviesar a seleção de projetos.

Portanto, ainda não está claro se o fato de autores sugerirem os melhores experts de sua área ainda é realmente benéfico ao processo de revisão de publicações e projetos. Certamente tal processo é um facilitador para os editores de revistas e em teoria pode resultar em manuscritos serem analisados pelas melhores pessoas do campo. Em comunidades científicas menores nas quais os pesquisadores conhecem melhor os seus integrantes a sugestão de revisores é uma ótima alternativa para dinamizar o processo de revisão.

Entretanto, com o exponencial aumento da pesquisa observado nas últimas décadas no mundo, o número de subáreas e de experts em cada uma delas também aumentou consideravelmente, o que torna virtualmente impossível controlar os pesquisadores envolvidos. Assim sendo, as editoras e agências de fomento que se propõem a utilizar tal estrutura de sugestão de revisores também deveriam ter o ônus de checar a sua autenticidade e de suas informações. Caso contrário, corre-se o risco de se ter um aumento exponencial também dos casos de fraudes observados nos últimos anos.

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